PADRE PAULO SILVA: «Erramos muito, mas, não somos os monstros que alguns descreveram»

— O que é um Sacramento e o que é a Confirmação (Crisma)?

— Os sacramentos são sinais que, por meio de fórmulas e ritos, Cristo age e nos comunica a Sua Graça. Os Sacramentos são sinais eficazes da Graça, são instituídos por Cristo e confiados à Igreja, pela qual nos é possibilitado viver a vida divina. Através do Sacramento do Crisma o cristão confirma a sua fé e adesão a Jesus e assume o seu papel na Comunidade. A Confirmação é uma continuação dos compromissos iniciados no Batismo A Confirmação é o Sacramento que torna visível o Dom do Espírito. O Espírito Santo é comunicado ao fiel, como dom Divino para o crescimento espiritual ao serviço da vida e do Reino no seguimento de Jesus. Na Confirmação, o cristão recebe o Espírito Santo, como os apóstolos receberam no dia de Pentecostes. Esse Dom é a força para testemunhar Jesus Cristo por toda a parte.

— Quem pode ministrar a Confirmação?

— O ministro ordinário do Sacramento da Confirmação é o bispo, mas pode ser ministrado por outro sacerdote com a autorização do mesmo. O bispo é o ministro ordinário deste sacramento porque o bispo é possuidor da plenitude do Espírito Santo e sucessor dos apóstolos, com todos os outros bispos do mundo, os primeiros a receberem o sopro do Espírito na manhã do Pentecostes.

—  É obrigatório um católico crismar-se?

— Ninguém é obrigado a receber nenhum Sacramento. Recebe um Sacramento quem quer viver a sua vida configurada com a fé cristã, para que, observando os mandamentos, ame a Deus e ao próximo, como Cristo nos ensinou, como nos diz o ritual do batismo.

— Que requisitos tem que cumprir o crismando? Há uma idade limite ou preferencial para ser confirmado? O pároco tem poder próprio de decisão sobre quem está habilitado para receber o Crisma?

— O Sacramento do Crisma é um dos três Sacramentos da Iniciação Cristã. Deve receber este Sacramento quem está disponível para dar testemunho da fé em Jesus de maneira consciente e convicta. A obrigação do crismado é assumir a fé e vivê-la com verticalidade e responsabilidade de testemunha. Atualmente ninguém recebe o Crisma sem completar o itinerário catequético estabelecido. Não faz o Crisma quem o senhor padre quer ou de quem gosta mais, recebe o crisma aquele que se mostra preparado e deu provas da fé vivida no dia a dia. O grande problema atualmente é que a maior parte daqueles que recebem o Crisma não está preparada para o receber e vive uma fé muito infantil e com poucas provas dadas. Há exceções, mas, a maior parte dos crismandos não está devidamente preparada para este passo de fé. Os crismandos falham porque a Igreja também falhou com eles e a pastoral feita nas paróquias não lhes dá respostas convincentes, além das características humanas em crise que atualmente sentimos. A Igreja falha na oferta, mas, os cristãos falham na exigência pessoal como discípulos de Jesus. Toda a situação pastoral atual é um grito de mudança e um apelo de esperança numa Igreja que necessita reencontrar-se.

— Que função desempenha o padrinho e que condições tem que reunir para
sê-lo?

— Respondo a esta pergunta com uma citação dum texto, não me lembro de onde o tirei, que diz claramente o que é um padrinho ou uma madrinha. Estas palavras aplicam-se aos sacramentos do Crisma e do Batismo. Cito: “Os padrinhos intervinham ativamente no processo da iniciação cristã antes, durante e depois da celebração dos Sacramentos. Quando à Confirmação destaca-se do conjunto dos sacramentos da Iniciação cristã, aos padrinhos de batismo somar-se-ão os de Crisma com idêntica missão. Antes, quando funcionava um verdadeiro catecumenado, eram garantes e fiadores perante a comunidade cristã da sinceridade da conversão dos catecúmenos bem como companhia e apoio destes na preparação, purificação e iluminação até à receção da graça da vida nova. Durante, no próprio ato central da regeneração batismal, estavam presentes, acompanhando os eleitos até à fonte batismal onde eles se despojavam do homem velho; no caso das crianças, incapazes de falarem por si, eles próprios os representavam nas imprescindíveis renunciações e profissão de fé; e recebendo-os à saída da fonte como novas criaturas, nascidas da água e do Espírito, revestindo-os da veste alva e resplandecente, símbolo da vida nova em Cristo. E depois, sobretudo no caso da iniciação cristã dos pequeninos, assumindo o encargo da catequese subsequente, da exemplaridade de vida, do testemunho coerente e consequente da fé, a ponto de se tornarem verdadeiros «pais/mães» espirituais, sendo os batizados, por eles recebidos no batismo, assimilados a filhos seus – «afilhados» – e, consequentemente, passando eles a serem «com-padres» e «com-madres», verdadeiros pais e mães juntamente com quem os tinham gerado para esta vida mortal.”

— O Sacramento da Confirmação é, por vezes, associado ao termo de uma etapa da vida cristã. Está correta esta visão?

— O fim da catequese e o Sacramento do Crisma andam, atualmente, lado a lado. É um erro esta associação. O Crisma não é a festa de graduação do finalista da catequese. A catequese é um itinerário para iniciar na vida cristã. Tem uma função concreta e válida em si. Terminada a catequese o cristão deve pedir o Sacramento da Confirmação se estiver comprometido com a sua fé, caso contrário, deve continuar o caminho de iniciação e só depois pedir o Crisma. É um erro e uma má prática associar o Sacramento do Crisma à caminha da catequese. A caminhada catequética pode levar ao Sacramento, mas, não certificar automaticamente ou legitimar para a sua receção.

— Muitos jovens afastam-se da Igreja após a Confirmação… isso significará que não têm a noção correta do Sacramento; ou seja, veem-no como uma “dispensa” das suas obrigações religiosas. Concorda com esta interpretação? Existirão outros motivos?

— Afasta-se da Igreja, da comunhão com Jesus e da comunidade quem não entende o que é ser testemunha de Jesus. A formação cristã, na maior parte das paróquias não está a formar discípulos comprometidos, mas está a alimentar gente com religiosidade. Entende-se mal o que significa ser cristão e há o péssimo ato de pensar que ser cristão é um estado social ou cultural. Resumir a fé a momentos celebrativos é um engano tremendo. Vivemos muito tempo num ambiente de cristandade e acomodamo-nos a esta cristandade que não exigia muita coisa para além de ir fazendo coisas religiosas e esqueceu-se a alimentação da fé. Os agentes pastorais foram-se acomodando ao que havia.

— Um católico não confirmado está diminuído no seu papel enquanto membro da Igreja?

— Os Sacramentos quando não recebidos não diminuem em nada uma pessoa. A vida da fé não se resume somente à receção dos Sacramentes. Recebemos os Sacramentos porque queremos viver mais perfeitamente e mais configurados com Jesus. Com exceção do Batismo, que é o sacramento que nos lança na caminhada do Reino dos Céus, todos os outros devem ser recebidos quando se tiver a consciente necessidade de se ser discípulo de Jesus.

— É voz comum que os critérios aplicados pelo clero para admitir que alguém seja padrinho ou madrinha de um crismando não são uniformes, variando, até, dentro da mesma paróquia, consoante as pessoas em causa. É verdade que isto acontece?

— Os critérios para uma pessoa ser padrinho ou madrinha estão no Código de Direito canónico. Cito: “Haja, quanto possível, um padrinho ou uma madrinha (cânone 892). O ideal é que seja um dos padrinhos do Batismo (cân. 893 § 2). Não seja o pai ou a mãe do confirmando (cân. 893 § 1). O padrinho/madrinha é escolhido pelo crismando em razão do exemplo, das qualidades e da amizade e representa a Igreja junto dele. Como garantia pública da importância e dignidade desta missão, é necessário para ser padrinho ou madrinha ter recebido os Sacramentos da Iniciação Cristã; Viver, presentemente e de facto, em situação moral e conjugal/familiar que esteja em conformidade com o ideal da vida cristã, por exemplo, quem vive em estado de “união de facto” ou “casamento civil”, não está em comunhão plena com as regras da vida em Igreja.” O grande problema é que se esquecem estas normas em nome da paz na celebração do Crisma. Contra mim afirmo, os padres que não respeitam estas regras não estão a agir bem, estão a confundir as pessoas. Para além desta atitude dos párocos, há a ignorância, o atrevimento e o desconhecimento da verdadeira missão de padrinho e madrinha, levando muita gente a pensar que é possível passar por cima de tudo para se atingir o que se quer.

— Polémicas, antigas, recentes, e repetidas, estão, muitas vezes, relacionadas com a idoneidade das pessoas escolhidas para padrinho ou madrinha do Crisma e com a recusa, por parte dos responsáveis da Igreja, em aceitar que assumam essa responsabilidade. Cada caso terá as suas particularidades, mas, são frequentes os desentendimentos sobre este assunto. Porquê?

— Os desentendimentos acontecem porque falta responsabilidade e porque cada um pensa que só tem direitos e não deveres.

— A frase «todos, todos, todos», proferida pelo Papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, em 2023, referindo-se ao acolhimento da Igreja àqueles que querem dela fazer parte é, na sua opinião, para ser levada à letra?

— Na Igreja há lugar para todos e todos devem ser acolhidos e chamados a ser testemunhas de Jesus, mas, na Igreja não há lugar para tudo e muito menos para aquilo que é contrário ao Evangelho e a Jesus. Cada um é livre de ser o que quiser, mas, a sua liberdade não pode ser razão para fazer tudo o que lhe apetecer. Para se viver em liberdade é necessário respeitar a liberdade dos outros e das instituições. A liberdade é uma construção feita entre todos em conformidade com o que nos une para estabelecermos a comunhão. Eu serei mais livre quanto mais respeitar a liberdade do outro sem ter de renunciar ao que sou para o agradar. As regras que atualmente são requeridas para se ser padrinho ou madrinha não são criações individuais dos padres ou dos bispos, mas, são o que a Igreja pensa ser a forma mais perfeita de nos configurarmos com Cristo Vivo e Ressuscitado.

—  «Todos, todos, todos» tem aplicação concreta nos casos com que as Igrejas locais se confrontam; ou este “princípio” é adaptável aos contextos em que as situações ocorrem?

— O acolhimento que se deve fazer em Igreja e a quem quer ser Igreja deve ser abrangente e não discriminatório. Jesus não discriminou ninguém, mas, não deixou de chamar a atenção de quem não estava em sintonia com a sua mensagem. Eu sei que há muita gente que tem um papel ativo nas paróquias e que não está dentro das regras estabelecidas. Há, no meu entendimento, a necessidade de se ter uma atenção diferente a estas pessoas. Muito se fala da discriminação positiva, mas, quando são atingidas determinadas pessoas as coisas já são diferentes. Eu não tenho nenhuma dúvida em aceitar uma pessoa casada só pelo civil na vida da paróquia e no múnus de madrinha ou padrinho desde que seja comprometida com a fé, com o Evangelho e com a comunidade, mas, já terei dificuldade em reconhecer capacidade/autoridade a uma pessoa que nunca põe os pés na igreja, às vezes até fala mal da fé e tem um comportamento oposto à fé que diz professar. A casuística é muito complicada, mas, há casos e casos e pessoas e pessoas. Faz falta formar a consciência com verdade e retidão.

— Uma pergunta mais pessoal: o padre Paulo é conservador ou progressista? É possível estabelecer esta dicotomia do ponto de vista da ação de um católico?

— Os rótulos poderão ser um problema quando nos apresentamos. A questão não é ser conservador ou progressista, mas, saber se somos capazes de ler a realidade e estarmos bem no tempo histórico em que existimos. Nenhum caminho é estanque. Eu sou uma pessoa cristã que vive no século XXI e que tento não ter saudades do passado e muito menos andar a procurar no passado o refúgio para aquilo que não consigo entender. Procuro ser uma pessoa aberta a todos, procuro encontrar o sentido das coisas e procuro a verdade acima de tudo. A minha visão da vida é iluminada pelo Evangelho e por Jesus e tento ser coerente com a minha consciência, que procuro formar todos os dias. Eu quero ser uma pessoa capaz de acolher o que dá vida e nos faz viver. Como padre devo ser fiel ao Magistério da Igreja, mas tento não ser cego nem monolítico. Não sou uma coisa nem outra. Eu procuro ser fiel a Jesus e ao seu Evangelho, à Igreja, às pessoas e à minha consciência.

— É difícil aplicar a mensagem do Evangelho na vida cristã, no dia-a-dia de um católico?

— É difícil porque a mensagem de Jesus entra em rota de colisão com o mundo hoje. É muito desafiante a antropologia do século XXI. O ser humano de hoje está muito afastado do caminho que a Igreja apresenta. A Igreja apresenta-nos um caminho de vida e o mundo parece que procura outro. Jesus é uma pedra no sapato porque contraria o individualismo, o egoísmo e os interesses instalados. A sensação que tenho é de que a Igreja rema em correntes muito fortes num rio selvagem.

— Ao longo da História a Igreja Católica institucionalizou-se e formatou-se, nalguns períodos até em demasia, digo eu. Até que ponto se deve caminhar no sentido em que os católicos vão ou deixem de participar na Eucaristia e praticar os outros Sacramentos por causa dos aspetos formais ou circunstanciais?

— A Igreja Católica é o Povo de Deus a caminho. Como católicos somos peregrinos e nesta condição procuramos a plenitude da vida e do amor. O caminho é de fé e é realizado numa realidade humana com o que tem de bem e de mau. A Igreja para cumprir a sua missão tem de ser fiel a Jesus e ao Evangelho. A Igreja para além da sua dimensão espiritual também tem uma forte presença institucional em vários âmbitos. Ser Igreja é ser Povo a caminho com os pés na terra a olhar para os bens futuros. Concordo que haja uma certa institucionalização das instâncias eclesiais sem que se perca a identidade espiritual.

— Deixei de ir àquela igreja por causa do padre; ou, só lá vou porque é aquele sacerdote; ou, então, os que batem com a mão no peito na Missa são os piores, nomeadamente os padres. Estes são comentários que facilmente se escutam quando a religião vem à baila numa discussão. Não seria mais natural que, quem faz estas apreciações negativas, ignorasse a Igreja, em vez de criticá-la?

— Estas afirmações são o resultado da falta de uma fé esclarecida e de uma catequese que não formou essas pessoas. A maior parte das vezes parecem-me desculpas de mau pagador para se desculparem de alguma coisa. Dizer estas coisas tranquiliza e desresponsabiliza as consciências. Quem não quer uma coisa na vida, qualquer situação serve de desculpa.

— Sobre as recentes polémicas ocorridas no Pico o que tem a dizer?

— O que sei é o que vi e li nas redes sociais. Não falei com os colegas do Pico e por isso não posso fazer nenhum juízo. Como alguém que já passou por situações semelhantes, sou levado a pensar que essas situações são mais complexas e há mais coisas que não temos conhecimento e que são importantes para sabermos a verdade. Houve erros cometidos e exageros de ambas as partes. Algumas atitudes da parte dos padres, crismandos e padrinhos deviam ter sido evitadas. Em todo este processo espantou-me ler alguns comentários de algumas pessoas que nunca pensei mostrarem o desconhecimento que mostraram sobre elementos básicos da fé e da prática eclesial. Fiquei admirado com a ignorância e a maldade de muitos crentes que se dizem praticantes e com a forma feroz como se referiram aos padres e os classificaram. Os padres são pessoas passíveis de errar e muitas vezes eu e os meus colegas erramos muito, mas, não creio sermos os monstros que alguns descreveram. O que magoa mais é ler estes comentários de pessoas que vêm à nossa presença solicitar serviços religiosos com palavras elogiosas, mas, que afinal de contas são hipócritas. Devo dizer que fiquei de boca aberta com comentários de catequistas, leitores, coralistas e outros colaboradores pastorais desta ilha do Faial, os mesmos que um dia destes se vão sentar à mesma mesa que nós e vão fazer de conta que não escreveram nada, ou pior, que não são capazes de dizer à nossa frente o que lhes vai na alma. Não dói assumir os nossos erros e os dos nossos colegas, o que dói é engolir hipócritas e hipocrisia. O que aconteceu teve uma causa, mas, em nenhum comentário li explicações dos dois lados para poder fazer um juízo válido. Mais uma vez sou levado a pensar que há aqui gato escondido com o rabo de fora. ✓




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  4. Avatar de Genuino Gomes

    O padre Paulo Silva foi muito claro! Em suma, há muito boa gente que entende que as regras devem ser as que entendem a seu belo prazer. Esse é o mal que temos nesta sociedade, cada vez mais hipócrita!

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  5. Avatar de Jorge Jorge

    Bom dia. Excelente explicação do sr padre Paulo Silva, que aproveito para saudar, à situação ocorrida na ilha do Pico e que foi amplamemente publicitada, clarificando um conjunto de situações de forma límpida. A questão, e aproveito para esclarecer a porta-voz da diocese Carmo Rodeia também, é que as regras da Igreja não são aplicadas de igual forma em todas as paróquias e mesmo o mesmo pároco procede de maneira diferente consoante as pessoas em causa. Esta é a questão.

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