Laje vibra com saltos de uma pessoa
UMA DAS MAIS BOMBÁSTICAS promessas eleitorais da última campanha para a Câmara Municipal da Horta (CMH) vai cumprir-se: pelo menos um piso do Parque de Estacionamento da Rua de São João será demolido [na fotografia, do Município da Horta].
«O Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) diz-nos que o betão está altamente danificado e não é possível manter aquela laje e a partir daí não me parece que seja possível adotar outra solução que não a sua demolição», assumiu o presidente do Município, numa conferência de imprensa destinada a divulgar o relatório do LNEC sobre a qualidade da obra de construção do Parque de Estacionamento da Rua de São João, na cidade da Horta.
Depois de transpirarem para a opinião pública suspeitas de que a obra do Parque apresentava problemas, do foro da segurança, o assunto derivou para a esfera do combate político, ao ponto do, na altura, candidato a presidente da Câmara, Carlos Ferreira, esticar a corda, comprometendo-se a deitar abaixo o edifício, no caso de confirmação dos rumores.
Passado pouco mais de um ano ficou a saber-se que o piso 1 do Parque está condenado e o piso 2 carece de reforço estrutural.
DEMAGOGIA E LEGITIMAÇÃO
Acusado de demagogia pelos opositores na corrida à presidência da Câmara, Carlos Ferreira vê, assim, os acontecimentos legitimarem a sua posição.
O presidente da Câmara não precisa de se preocupar com o Partido Socialista, quanto a este assunto, já que o anterior executivo municipal fica muito chamuscado com o desfecho da questão, mas tem, agora, um menino nos braços, pois reafirmou hoje que pretende pôr à disposição dos faialenses os 90 lugares do Parque e garantir a defesa dos interesses do Município, ou seja, dos munícipes, «porque são eles que estão a pagar os erros cometidos».
Há, no entanto, um caminho longo e largo a percorrer, até que se chegue ao «dia em que estiverem garantidas as questões de segurança», para que Carlos Ferreira seja «o primeiro a pôr lá» o seu carro, conforme declarou na conferência de imprensa, desta feita, sim, resvalando para um registo populista. «A confiança da população naquela infraestrutura deve ser considerada», defendeu.
A pergunta que, certamente, está na cabeça de qualquer faialense que tenha tomado conhecimento da decisão ontem anunciada é a seguinte: quem é que vai pagar? A resposta já foi dada, à pergunta do jornalista, pela voz do presidente da Câmara, sem vacilar: «A Câmara vai pagar!»
Acontece que as coisas não são tão simples quanto as palavras possam sugerir, pois o Município irá pedir responsabilidades «às partes» envolvidas, disposto a levar o assunto até às últimas consequências, ou seja, à barra do tribunal, se antes disso não houver solução.
Um enorme obstáculo irá, certamente, atravessar-se no caminho: o construtor está envolvido num processo de insolvência.
CONSTRUIR AGORA CHEGARIA AO DOBRO
O Parque, que faz parte da 1.ª unidade da Frente Mar, anterior à que está em curso na Avenida Marginal, cujo valor global é de 1 milhão e 400 mil euros, tem à sua conta 500 mil euros. Agora, segundo diz o presidente da Câmara, sustentado em informação dos técnicos do Município, não seria feito por menos de 800 a 1 milhão de euros. Pelo meio acresce a despesa da demolição.
O Orçamento do Município da Horta, para despesas de capital, ou seja, investimento, em 2022, não chega a 8 milhões de euros. Mesmo contando com o contributo da União Europeia, percebe-se, com facilidade, que se estará perante um esforço significativo em termos económicos e financeiros.
Há a acrescentar alguma inexperiência do novo executivo municipal em lidar com a realidade, o que já levou a que algumas rubricas orçamentais tenham sido esgotadas muito antes do final do ano, o que não ajuda a lidar com este contratempo.
Sobre a possibilidade de vir a ser necessário devolver o apoio da União Europeia ao projeto em causa, devido a estas complicações, o presidente da Câmara fez uma profissão de fé: «Não queremos acreditar que a CMH tenha que devolver dinheiro, desde que aquela infraestrutura seja aberta para o fim em vista.»
O RELATÓRIO DO LNEC
O relatório do LNEC, que chegou à Câmara na passada semana, refere-se «à inspeção visual e ensaios de determinação da perda de rigidez do betão de lajes» do Parque de Estacionamento da Rua de São João.
Existiu um primeiro relatório, que, de acordo com o presidente da Câmara, apontou para «ensaios adicionais», o que levou a CMH a contratar com o LNEC a realização de um segundo relatório, o que aconteceu a 20 de maio, para «para avaliação das anomalias existentes dos pisos 1 e 2».
Melhor do que explicá-lo é transcrever o relatório, citado pelo presidente da Câmara, tal a sua clareza:
«Os ensaios cíclicos realizados no betão para verificar a existência de dano evidenciam a existência de microfissuração na laje do piso 1 e em conjunto com os restantes ensaios realizados apontam para que a microfissuração tem origem em defeitos na pasta do betão. Dado que existe progressão na fissuração, mesmo para níveis de tensão relativamente baixos não se afigura que esta laje possa ser mantida. No piso 2, observa-se também baixo modo da elasticidade do betão, mas não se constatou evidência de dano no betão quando sujeito a níveis de tensão relativamente baixos, sendo a sua resposta típica da observada em regime aproximadamente linear, pelo que esta laje poderá ser objeto de reforço estrutural.»
Síntese, nas palavras de Carlos Ferreira: «a laje do piso 1 não pode ser mantida e tem que ser demolida; a laje do piso 2, para ser mantida, terá que ser objeto de um reforço estrutural.»
Decisão da Câmara, de novo segundo Carlos Ferreira: «ordenar a demolição do piso 1; requerer ao projetista que apresente um projeto que preveja a demolição e a reconstrução do piso 1 e reforço estrutural da laje do piso 2 e dos pilares da estrutura, com a correspondente estimativa orçamental e a apresentação de um projeto adicional que contemple a demolição e reconstrução da laje do piso 1 e a demolição e reconstrução da laje do piso 2, com a correspondente estimativa orçamental também, para que, com essa orçamentação, a autarquia possa avaliar se a melhor solução é demolir a laje do piso 1, que não pode ser mantida e reforçar estruturalmente a laje do piso 2, ou, demolir as lajes de ambos os pisos.»
DEMOLIR A LAJE DO MEIO E MANTER A SUPERIOR?
Carlos Ferreira reconheceu, entretanto, ser «complicado demolir a laje do meio, mantendo a laje superior».
O presidente da CMH informou que vai ser contratada uma segunda empresa projetista, mas não explicou a opção, ficando no ar a dúvida sobre a razão pela qual a obra será objeto de dois projetos.
Ainda sobre o conteúdo do relatório do LNEC, o presidente do Município fez questão de citar a seguinte passagem: «Quer devido à passagem de um veículo ligeiro de apoio aos trabalhos de cabotagem realizados na laje; quer devido a solicitação de saltos de uma pessoa sobre o pavimento, era percetível a vibração das lajes dos pisos elevados, nível 1 e nível 2». E reforçou, interrogando-se: «O LNEC diz-nos que se uma pessoa saltar sobre a laje faz vibrar essa mesma laje, portanto, com este tipo de fenómenos como é que seria possível alguém decidir não demolir a laje do piso 1?» |x
NA MINHA OPINIÃO. Uma análise breve faz-me concluir que, embora os faialenses saiam prejudicados, o político Carlos Ferreira poderá beneficiar da demolição parcial do Parque de Estacionamento da Rua de São João. Teve o arrojo, não sei se motivado por ambição política, emoção eleitoral ou visão estratégica, de prometer demolir o Parque. A sorte protege os audazes e o Parque vai mesmo abaixo (em parte). Pode encher o peito de coragem política, que acho que lhe falta, com ar insuflado por circunstâncias alheias, pois o LNEC, afinal, é que manda destruir o betão e o responsável da asneira, em última análise, é o dono da obra, que, na altura em que foi feita, não era o PSD que dirigia a Câmara. Daqui em diante, todas as vicissitudes que puderem acontecer ao Parque tardarão a ser atribuídas a Carlos Ferreira, pois o presidente da Câmara será visto como a solução e não como o problema. Pelo contrário, José Leonardo, que não se reformou politicamente (ouça-se-o na Rádio Azores High), com muita dificuldade conseguirá limpar esta nódoa que lhe fica da passagem pela Câmara. Não quero acreditar, mas penso nisso: será que a vereação anterior não poderia ter sido mais célere no diagnóstico deste problema? Ou será que contemporizou para que não se apurasse o resultado de uma inspeção do LNEC antes das eleições de 2021? Como em tudo na vida, há os que têm azar e os que nascem com o rabo virado para Lua… De qualquer maneira, para mim, existem dois responsáveis diretos pela situação e que, se calhar, nunca pagarão por isso: o empreiteiro e o fiscalizador, principalmente este! |x
Uma opinião sobre “RELATÓRIO LNEC. PARQUE DE ESTACIONAMENTO DA RUA DE SÃO JOÃO”