Câmara Municipal não quer perder um milhão de euros

Apesar de já ter conhecido três denominações – «Arantes de Oliveira», «25 de Abril» e «Diogo de Teive» – «Avenida Marginal» ainda é a designação mais popularizada de uma das mais importantes vias de comunicação do Faial, talvez porque a simplicidade do nome represente melhor a ligação sentimental dos faialenses a este caminho que proporciona a contemplação da magnífica baía da Horta, escoltada pela Montanha em frente, num cenário irrepetível. Quem se gabe de conhecer bem a «Avenida», terá que saber indicar com precisão onde está escrita a palavra «Faial», a branco no empedrado de pedra branca, na parte do passeio estreita e elevada junto ao muro. Há umas décadas, quando a juventude se ocupava mais das coisas da rua (não havia computadores e telemóveis e a televisão chegou 30 anos depois da «Avenida»), era obrigatório saber o local da inscrição!
A faialense Manuela Bairos, que presentemente é embaixadora de Portugal em Timor-Leste, fala, numa entrevista ao Diário Insular [publicada abaixo, com a devia vénia], de uma «ligação emocional de gerações de faialenses à sua cidade» por via, precisamente, da relação que estabeleceram, ao longo do tempo, com a «Avenida».
A argumentação da petição é forte e vai ao ponto de considerar a obra da «Avenida Marginal», dos anos 50 do século passado, um empreendimento, inovador à época, de importância nacional.
A diplomata promoveu uma petição pública, dirigida ao Município e ao Conselho de Ilha do Faial, com o objetivo de preservar «a identidade da Horta» e «o seu acervo patrimonial», por considerar que estariam em perigo devido às obras que decorrem no numa parte da «Avenida». O projeto de requalificação da Frente Mar em curso prevê a remoção do «passeio em calçada portuguesa de traço modernista existente ao longo de toda a avenida marginal», diz Manuela Bairos, lembrando que os faialenses com ele convivem «há mais de 60 anos», que, no entanto, agora, está «ameaçado de desaparecimento» da «memória e identidade» dos hortenses.
As assinaturas da petição já ultrapassaram o milhar e entre elas figuram nomes sonantes como Eugénio Leal, antigo membro do Governo Regional dos Açores que dirigiu o departamento do Turismo; Luiz Fagundes Duarte, que sobraçou a pasta da Cultura do executivo açoriano; o universitário Onésimo Teotónio de Almeida; Luís Filipe Castro Mendes, ex-ministro da Cultura; os arquitetos Paulo Oliveira e Margarida Madruga, entre outros.
A argumentação da petição é forte e vai ao ponto de considerar a obra da «Avenida Marginal», dos anos 50 do século passado, um empreendimento, inovador à época, de importância nacional.
Na sua edição de sábado, 22 de outubro de 2022, o Diário Insular entrevista Manuela Bairos, que detalha as razões que a levaram a liderar a reação à destruição de parte do passeio da «Avenida» e que conduziu à apresentação da petição.
A POSIÇÃO DA CÂMARA
No último dia de setembro reuniu-se a Assembleia Municipal da Horta e o assunto foi tratado. O presidente da Câmara prometeu convocar a população para mostrar, «em vídeo», as consequências da alteração do projeto da Frente Mar se for atendida a reivindicação da petição e assegurou que «a Câmara Municipal está perfeitamente disponível para ouvir e dialogar». No entanto, Carlos Ferreira foi já preparando a opinião pública para uma eventual recusa de mexidas no projeto da Frente Mar: «No espaço onde será construído o edifício da marina, aquele passeio fica com uma elevação com cerca de 60 centímetros, portanto, não é possível manter o passeio que lá está.»
De qualquer maneira, o presidente do Município comprometeu-se a «apresentar a possibilidade que resulta da petição», num gesto que parece de descargo de consciência, pois a sua narração foi toda no sentido de executar o que está estabelecido: «Se não cumprirmos o prazo de execução da obra perdemos o financiamento comunitário. Como presidente da Câmara Municipal não poderei aceitar que o Município perca um milhão de euros». A empreitada, recorde-se, representa um investimento superior a três milhões de euros, financiados em um terço pela União Europeia.
No estilo conciliador que o caracteriza, sobressaindo a vontade de corresponder ao maior número de expectativas, Carlos Ferreira rematou a sua intervenção na Assembleia Municipal sobre este tema dizendo, como quem acredita que é possível agradar a Deus e ao Diabo, que será preservado «o que for possível preservar» e executada a obra como tiver que ser executada.
Em jeito de prémio de consolação anunciou que a pedra que for retirada da «Avenida» será colocada nos passeios da Rua Marcelino Lima, substituindo o cimento, de acordo com o programa «Horta Património» que faz parte das propostas de governação do executivo municipal.
MANUELA BAIROS, EM ENTREVISTA AO «DIÁRIO INSULAR»
Joia de arquitetura urbana da Horta está em risco de desaparecer
– Está a decorrer uma petição «Em defesa da preservação do passeio em calçada portuguesa da Avenida Marginal da Horta». O que motivou esta iniciativa? Acreditam que este património pode estar em risco?
– Esta petição pública surgiu quando nos apercebemos de que o projeto de requalificação da Frente Mar da Horta incluía a remoção do passeio em calçada portuguesa de traço modernista existente ao longo de toda a avenida marginal, com o qual convivemos há mais de 60 anos e agora ameaçado de desaparecimento da nossa memória e identidade. A decisão municipal de requalificação, de indiscutível oportunidade, foi acompanhada de um processo de consulta e discussão junto das populações. Contudo, os elementos de análise proporcionados no decurso do processo, pela ausência de detalhe e de informação clara e compreensível, não deixaram perceber que seria eliminado aquele passeio, de grande importância para a identidade da Horta, para o seu acervo patrimonial e também para a ligação emocional de gerações de faialenses à sua cidade. Projetada na década de 50, a Avenida Marginal da Horta é uma obra de engenharia e de arquitetura/design modernista de invulgar beleza e coerência. Ao longo de décadas, o passeio da avenida tem servido esta cidade sem necessidade de reparação, dada a qualidade do trabalho artesanal utilizado na execução da obra.
– Qual é a importância desta calçada para a identidade da Horta?
– Se dúvidas havia sobre a importância do passeio da nossa avenida, este movimento cidadão, que inclui muitas pessoas que deram vidas inteiras para a construção da identidade da nossa cidade, revelou o sentimento de perda irremediável, expresso de forma inequívoca, caso o passeio da avenida venha a ser afetado pelo projeto da Frente Mar na sua atual versão. Este património que herdámos e que nos cumpre defender e preservar, muito contribuiu para transformar a Horta na Cidade Mar de que nos orgulhamos e, por conseguinte, desejamos seja promovido o ajuste do projeto de forma a integrar no novo desenho da Frente Mar o passeio da avenida, joia da arquitetura urbana do movimento modernista dos anos 50.
– Que intervenção consideram que deve ser feita naquele local? Há exemplos de outras cidades que comprovam ser possível uma ampliação sem colocar em causa o património?
– A frente de mar na Baía da Horta necessita de um esforço de requalificação, sobretudo em virtude de ter sido transformada em parque de estacionamento pela falta de soluções para quem vive ou trabalha no centro histórico. Isso é indiscutível, é necessário devolver o espaço de passeio e de lazer ao longo da Baía da Horta aos habitantes e visitantes, (assim como é necessário encontrar soluções de estacionamento e escoamento de trânsito que garantam o bem-estar das populações), mas essa requalificação não deverá fazer tábua rasa do património arquitetónico, identitário e até emocional que os passeios da Avenida Marginal representam para os seus habitantes e porventura o mais emblemático cartão de visita desta cidade, que desde 2011 integra a rede mundial das baías mais belas do mundo. Conforme sublinhou o presidente da Câmara da Horta nessa ocasião: “A integração da Baía da Horta no clube é o reconhecimento não só da beleza natural da enseada, mas sobretudo da qualidade natural, histórica e cultural que a caracteriza”. A qualidade histórica e cultural da Baía da Horta passa também por ter sido uma das obras mais expressivas da arquitetura pública modernista no nosso país, a par das de Ponta Delgada e do Funchal. O património modernista nesta cidade não é abundante, mas o projeto da avenida, com todas as escolhas de design associadas (muro, passeio, árvores e equipamentos), é indiscutivelmente o testemunho mais relevante desse movimento inovador que, já na década de 50, visava oferecer a Frente Mar para uso e lazer dos habitantes e visitantes da Horta. Assim, sem desejar comprometer o projeto, entendemos que a necessária requalificação da Frente Mar deverá atualizar esse propósito. Importa, contudo, que esta requalificação venha completar e não destruir o elemento modernista que não só tem valor intrínseco, como representa 60 anos de vivência desta cidade e um contributo de que nos orgulhamos do movimento modernista em Portugal. A experiência bem-sucedida com o projeto da Frente Mar de Ponta Delgada recentemente construída – onde não só a calçada portuguesa do período modernista foi preservada, mas ainda valorizada pela adição de espaços complementares de calçada sem qualquer padrão decorativo – poderá servir de referência para a requalificação da frente de mar na Cidade da Horta. Compreendemos que a requalificação da Frente Mar seja assente num projeto de futuro, mas, ao mesmo tempo, concebido e executado no sentido da preservação do património identitário da nossa cidade, como é o caso da Avenida Marginal. Assim, solicitamos a proteção do património modernista que a avenida representa: muro, passeio de calçada portuguesa, farol de enfiamento e salgueiros plantados em cada interrupção do desenho longitudinal.
– A petição conta já com 1000 subscritores. Já obtiveram alguma reação por parte Do município da Horta ou de outras entidades?
– Após termos apresentado formalmente a petição à Câmara Municipal, Assembleia Municipal e Conselho de Ilha, disponibilizámo-nos a reunir com as pertinentes autoridades. Eu presentemente encontro-me a trabalhar em Timor-Leste, mas estou ao dispor, aguardando a oportunidade para podermos expor as razões e o sentimento de perda expresso de forma inequívoca nesta petição, caso o passeio da avenida venha a ser removido. Entre os subscritores contamos com ex-secretários regionais, incluindo da Cultura, bem como um ex-ministro da Cultura, porque o acervo arquitetónico modernista da Cidade da Horta é património regional, assim como é património nacional. Gostaríamos de convidar os nossos conterrâneos, terceirenses ou de outras ilhas, a apoiarem esta causa em defesa deste património comum ameaçado de desaparecimento da nossa Região. |x
3 opiniões sobre “FRENTE MAR. PASSEIO DA AVENIDA EM CAUSA”