«Lágrimas que ninguém pode consolar»
SEGUNDA-FEIRA, 7 DE OUTUBRO DE 1957 — 11.º DIA, HÁ 65 ANOS
Após um dia de interregno, o Correio da Horta – que não se publicava ao domingo, tal como O Telégrafo à segunda-feira – apresentou uma edição, de duas páginas, cuja maior parte foi dedicada aos momentos difíceis por que passavam os faialenses. Títulos garrafais e extensos, sob a epígrafe «Vulcão dos Capelinhos» e sem prescindir de algum sensacionalismo, punham em evidência que o que estava a acontecer na ponta oeste do Faial era, de facto, uma tragédia. «Pânico» e «evacuação», duas palavras em relevo, mostravam quão terrível era o ambiente em torno do Vulcão.
Rezavam, assim, as parangonas: «Ontem, cerca das 16 horas, verificou-se uma grande explosão, nuvens de escórias negras envolveram o Farol e Costado da Nau, causando pânico nas pessoas que ali se encontravam»; «O Vulcão registou a noite passada uma das suas maiores actividades, uma violenta queda de cinzas está a destruir as culturas das freguesias do Capelo e da Praia do Norte, foi ordenada a evacuação dos habitantes dos sítios do Norte Pequeno e Canto».
O Correio da Horta pôs em destaque na edição deste dia uma fotografia, ao alto, com a seguinte legenda: «O Vulcão em plena actividade (no início da actual fase explosiva)».
As duas crónicas publicadas começavam com a indicação do local e da data, o que não era habitual, dando, por isso, a indicação da presença do autor junto do Vulcão, como se pode confirmar pela respetiva leitura.
Ao 11.º dia da erupção, através da reportagem do Correio, percebeu-se, com clareza, a drástica ação que o Vulcão começava a exercer sobre o Faial e os faialenses, quer do ponto de vista físico, quer psicológico.
Conforme referido anteriormente, os jornais iam descrevendo, dia-a-dia, a frequência e duração das explosões e a formação dinâmica da ilhota: «Fechou por completo o lado do Costado da Nau, abrindo-se um pequeno carreio do lado contrário», explicou o vespertino, falando em 80 metros quanto à altura já atingida.
Entretanto, pela primeira vez, a iminência da perda de vidas foi mencionada: «Cerca das 16 horas houve uma extraordinária explosão, tendo as escórias negras atingido cerca de mil metros de altura, formando pavorosas nuvens negras que, impelidas pelo vento que rondara então para oeste, envolveram o Farol e o Costado da Nau que deixaram de ser vistos do sítio do Canto», escreveu o cronista, para continuar: «Este facto causou pânico em duas dezenas de pessoas mais afoitas que ali se encontravam, pelo que tiveram que fugir.» Apesar dos receios, não houve consequências: «Felizmente, as pedras de basalto expelidas pelo Vulcão não atingiram a terra», o que, a ter-se verificado, «poderia ter provocado vítimas».
Uma curiosidade: nas primeiras edições após o início da erupção, os jornais grafavam a palavra «vulcão» com minúscula. Nas crónicas da edição de 7 de outubro do Correio da Horta «Vulcão» aparece com maiúscula.
MULTIDÃO AGLOMERADA
«Centenas de pessoas deslocaram-se hoje de todos os pontos da ilha, utilizando automóveis, camionetas, carros de cavalo, motos e bicicletas, a fim de presenciarem o grandioso fenómeno», reportou o Correio da Horta, em tom surpreendido: «Até das Lajes do Pico veio uma grande excursão.»
Às cenas impressionantes das explosões vulcânicas, contrapunha-se outro espetáculo, que o repórter do Correio expos aos leitores: «Apesar da chuva que de vez em quando caía, uma multidão aglomerada ao longo da berma da estrada no sítio do Canto, por uma extensão de mais de 400 metros, ali se conservou durante todo o dia. O movimento de carros era constante.»
Recorde-se que, embora a mobilidade estivesse longe das facilidades proporcionadas atualmente, no Faial habitava quase o dobro da população hoje residente.
Quem não foi, naqueles dias, ver o Vulcão, pôde, através das páginas da imprensa, tomar consciência da dimensão e dos efeitos da erupção, tal o realismo de certas descrições, que continuam impressionantes, passados tantos anos, como adiante se verificará.
No final da primeira semana de outubro, à volta de uma dezena de dias após o primeiro sinal, o Vulcão manifestava-se «numa das suas fases mais violentas».
Na madrugada de 7 de outubro (1h58) «deu-se uma queda intensiva de cinzas que, por haver o vento rondado para o quadrante Norte, atingiu grande parte da freguesia do Capelo, especialmente os sítios do Canto e do Norte Pequeno e da freguesia da Praia do Norte».
O chefe da missão científica, que já se encontrava no terreno, «aconselhou o despovoamento», em plena madrugada, do Canto e do Norte Pequeno, aonde já haviam regressado algumas famílias, segundo o Correio.
O repórter manifestou-se impressionado com o «êxodo» de «famílias inteiras» através «de todos os meios de transporte».
O Governador Civil ordenara «a todos os veículos automóveis, de aluguer e particulares, de passageiros ou de carga, para seguirem até ao Capelo, a fim de auxiliarem a evacuação» das zonas «mais flageladas», bem como «os Bombeiros e a ambulância da Legião Portuguesa». Animais, reservas e alfaias agrícolas, mobílias e roupas também foram levados.
Perante os olhos do representante do Correio da Horta apresentavam-se «quadros comoventes», que lhe despertaram um sentimento poético e, ao mesmo tempo, dramático: «Lágrimas que ninguém pode consolar, velhinhos arrimados aos seus bordões, crianças aterrorizadas, erguendo as mais sentidas preces».
As cinzas começaram a criar sérios problemas. «Nalguns lugares» tornaram «intransitáveis os caminhos». Às 10 horas da manhã o repórter assistiu à sua queda, «estabelecendo fechadas e negras cortinas», o que provocou uma «arrepiante semi-obscuridade».
As cinzas começaram a criar sérios problemas. «Nalguns lugares» tornaram «intransitáveis os caminhos». Às 10 horas da manhã o repórter assistiu à sua queda, «estabelecendo fechadas e negras cortinas», o que provocou uma «arrepiante semi-obscuridade». As cinzas chegavam à Feteira e aos Cedros, «sentindo-se também um pronunciado cheiro a enxofre». As culturas começavam a ser destruídas. Um automóvel ficou imobilizado e só no dia seguinte foi retirado, a custo.
Os membros da missão científica estavam a realizar um trabalho «deveras exaustivo», segundo o jornal: «A Dr.ª D. Raquel há 31 horas que não dormia.»
No meio de toda aquela agitação ainda foi sentido um sismo no Capelo, «mas de curta duração».
«A noite passada e esta manhã, os capelenses sofreram as suas horas de mais terrível expectativa», concluiu o Correio da Horta, através do testemunho do seu redator. |x
O tempo vai passando e o Vulcão dos Capelinhos, um dos maiores acontecimentos da história da ilha do Faial, apesar dos 50, 60 e, agora, 65 anos da erupção, parece que não se afasta. Continua bem presente na vida dos faialenses, através do testemunho real representado pelas suas cinzas acumuladas ao pé do Farol. Embora haja o perigo da erosão fazê-las desaparecer, ficará o Centro de Interpretação como legado para as gerações vindouras não o esquecerem. Hoje, felizmente, a memória do Vulcão é partilhada pelos mais novos, fruto de um conjunto de iniciativas que, com regularidade, vai cimentando um particular afeto que qualquer faialense sente pelo Vulcão. Na passagem do 65.º aniversário do início da erupção do Vulcão dos Capelinhos FAIAL GLOBAL faz o DIÁRIO DO VULCÃO, recordando o que, a partir do dia 27 de setembro de 1957, os dois jornais diários existentes no Faial naquela altura foram dizendo sobre o acontecimento.