José Decq Mota questiona serviços oficiais
O GRITO DE UM MILHAFRE, a grande altitude, descrevendo tranquilamente largos círculos, ou a sua silhueta enfrentando, quase imóvel, o vento de frente, são dois espetáculos que um amante da natureza não dispensa nos céus da nossa ilha. Todos sabemos que chegou antes de nós ao arquipélago (com exceção do Grupo Ocidental, que não atingiu ou de lá desapareceu) e ninguém desconhece a história que lhe atribui a razão pela qual esta região se chama Açores. Por tudo isto, a que se junta um porte nobre, em voo, ou no alto de um poste de vigia, o milhafre cativa qualquer um. A distância que impõe – é quase impossível observá-lo de perto – provoca uma respeitabilidade invejosa, talvez pelo misticismo que inspira, tão perto que fica da linha do sobrenatural quando sobe em direção ao infinito.
Como parte integrante do mundo natural, também tem as suas fraquezas, bem explícitas num episódio que o autor deste texto ouviu em criança: estava uma galinha esgaravatando em terra recentemente trabalhada para dar de comer à roda de pintainhos que a cercava, quando um milhafre, pela hora do almoço, se aproximou. Porque era mãe e era galinha, depressa supôs ao que ia a ave de rapina e, em campo, dispôs-se à brega. O milhafre, cambaleante, ter-se-á arrependido da investida.
A importância do milhafre para o equilíbrio da fauna insular, se não foi ensinada nos bancos da escola, foi aprendida através do testemunho daqueles que têm um maior contacto com o ambiente, na sua vida ligada, por exemplo, à agricultura.
O estado do contingente de milhafres nas sete ilhas dos Açores onde ocorre é, anualmente, verificado através de um censo promovido pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), no qual colaboram os cidadãos, solicitados por esta instituição. A realização desta contagem, revela, no mínimo, preocupação sobre o número de milhafres que existirão nos Açores.
O CASO DO FAIAL
José Decq Mota, antigo deputado e autarca, acaba de lançar um alerta sobre o assunto, através de uma publicação feita ontem no Facebook, na qual dá conta de que observou, entre 2019 e 2021, um decréscimo significativo de milhafres: em «2019 via-se na Ponta Oeste do Faial, incluindo o Varadouro, muitos Milhafres e no ano 2020 ainda se via alguns. No ano de 2021 consegui, no Varadouro, apenas fotografar um Milhafre a voar alto». E acrescentou: «Neste ano de 2022, embora tenha estado longos períodos no Varadouro, não consegui ver ou ouvir qualquer Milhafre.»
A este propósito, José Decq Mota interroga-se sobre a «enorme diminuição da presença dos Milhafres nesta zona da Ilha» e vai mais além, fazendo uma solicitação «aos Serviços Florestais do Faial e aos Serviços do Ambiente (Parque Natural)» para que «divulguem, com clareza, o que sabem sobre as causas desta situação». E conclui: «Solicito também a esses mesmos Serviços que tornem pública informação que permita avaliar a actual existência desta ave terrestre nesta Ilha, bem como a sua distribuição pelo território de toda a Ilha.»
Na caixa de comentários a este “post” aparecem várias pessoas a dar a sua opinião e a relatar observações feitas, algumas delas relacionadas com campanhas de desratização, pondo em causa a forma como são realizadas, o que estará relacionado – apontam – com o decréscimo do número de milhafres. Esta ave alimenta-se de roedores – sublinham –, que, por sua vez, terão ingerido venenos. |X|
Na fotografia, milhafre fotografado por José Decq Mota, a 13 de abril de 2019
Era costume, há meia dúzia de anos, observar nas imediações de minha casa, em Castelo Branco, junto ao Aeroporto, pelo menos três ou quatro milhafres. Inclusivamente, aí pelo ano de 2016 ou 2017, esses milhafres comeram algumas das minhas galinhas que saíram do galinheiro. Não presenciei a caçada, mas não encontro outra explicação para o desaparecimento das galinhas, pois, sempre que saíam do galinheiro, voltavam à noite. Atualmente e já há dois ou três anos, ou até mais, deixei de ver esses milhafres.
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